Vida
Cotidiana
O ponto de correspondência de Saramago continua sendo a mercearia
Mascote, na mesma rua onde tem seu apartamento, dois números acima. Lá,
ele faz as compras e alimenta a amizade com os donos, a trasmontana Irene
e Manoel, de Valencia do Minho.
O motivo de sua mudança para a ilha de Lanzarote foi devido ao governo
português em 1992 decidir que seu livro “O Evangelho Segundo Jesus
Cristo”, não poderia ser candidato ao Prêmio Literário Europeu. O
secretário da cultura usou como argumento que o livro ofendia as crenças
religiosas do povo português. Essa atitude fez com que Saramago se
sentisse desgostoso e deixasse seu país. Na casa construída em Lanzarote marido e mulher têm, cada qual, seu
escritório, e o de Saramago, no segundo piso, deixa ver o mar. As edições
portuguesas e estrangeiras de seus livros espremem-se numa estante com
quatro prateleiras e bom metro e meio de comprimento. Numa fotografia, uma
tabuleta em francês provoca o ateu empedernido: "Dieu te cherche"
- Deus te procura. Nesse escritório, Saramago escreve pela manhã e no
final da tarde a sua quota diária de literatura, nunca mais de duas páginas,
ao som de Mozart, Bach ou Beethoven, e responde a algumas das cartas,
cerca de 100, em média, que lhe chegam todos os meses de vários cantos
do mundo. Depois do almoço, já embarcado no hábito espanhol da siesta, ele
cochila ou apenas relaxa na sala, no andar térreo. Nesses momentos nunca
lhe falta a companhia da fauna canina doméstica: o cão d'água português
(espécie de poodle) Camões, a Yorkshire Greta e o Poodle Pepe. À noite,
na cozinha, vai repetir-se um ritual: sentam-se os três diante de seu
dono, que, faca na mão, distribui rodelas de banana. Pepe foi batizado
pelo escritor na esperança de que não sobrasse para ele próprio esse
apelido a que, na Espanha, praticamente todos os Josés se acham
condenados. Camões assim se chama porque apareceu na casa no dia de 1995
em que Saramago ganhou o Prêmio Camões, concedido anualmente pelos
governos de Lisboa e Brasília. Camões adora livros: comeu duas
biografias do presidente sul-africano Nelson Mandela, em diferentes línguas,
e ultimamente se dedicava a roer as bordas de um grosso álbum de pinturas
de Goya.
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