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Letras: com todas as LETRAS
Os capítulos, um a um:

 

Como já dissemos anteriormente, esta novela camiliana é composta de uma introdução, uma conclusão e 20 capítulos. A Introdução, que transcrevemos integralmente logo abaixo, é escrita em primeira pessoa pelo narrador que nos conta como supostamente descobriu a história que começará .

Preste atenção a isso: todo o romance é narrado em 3a. pessoa, como você já sabe, mas a Introdução nos é apresentada em 1a. pessoa, um breve relato através do qual o narrador quer nos tocar, chamar a atenção para um fato ligado à sua "família", mesmo porque, mais tarde, no fim do livro, "descobriremos" que Simão é tio do narrador.

 

Ao ler a Introdução, procure comparar o narrador ultra-romântico com o narrador realista. Aqui, ele opina, tenta seduzir através da emoção; um escritor realista não delegaria esta tarefa ao seu narrador. Deixaria que leitor, por si só, pudesse chegar à conclusão, ao julgamento. Tome como exemplo comparativo O Crime do padre Amaro ou O primo Basílio, ambos de Eça de Queiroz. Neles, o narrador apenas conta o fato e não julga, deixa isso para que o leitor o faça.

 

Introdução

 

Folheando os livros de antigos assentamentos no cartório das cadeias da Relação do Porto, li, no das entradas dos presos desde 1803 a 1805, a fl. 232, o seguinte:

 

Simão António Botelho, que assim disse chamar-se, ser solteiro e estudante na Universidade de Coimbra, natural da cidade de Lisboa, e assistente na ocasião de sua prisão na cidade de Viseu, idade de dezoito anos, filho de Domingos José Correia Botelho e de D. Rita Preciosa Caldeirão Castelo Branco; estatura ordinária, cara redonda, olhos castanhos, cabelo e barba preta, vestido com jaqueta de baetão azul, colete de fustão pintado e calça de pano pedrês. E fiz este assento, que assinei — Filipe Moreira Dias.

 

À margem esquerda deste assento está escrito:

 

Foi para a Índia em 17 de Março de 1807.

 

Não seria fiar demasiadamente na sensibilidade do leitor se cuido que o degredo de um moço de dezoito anos lhe há-de fazer dó.

 

Dezoito anos! O arrebol dourado e escarlate da manhã da vida! As louçanias do coração que ainda não sonha em frutos e todo se embalsama no perfume das flores!

Dezoito anos! O amor daquela idade! A passagem do seio da família, dos braços da mãe, dos beijos das irmãs, para as carícias mais doces da virgem, que se lhe abre ao lado como flor da mesma sazão e dos mesmos aromas, e à mesma hora da vida! Dezoito anos !... E degredado da pátria, do amor e da família! Nunca mais o céu de Portugal, nem mãe, nem reabilitação, nem dignidade, nem um amigo!... É triste!

 

O leitor decerto se compungia; e a leitora, se lhe dissessem em menos de uma linha a história daqueles dezoito anos, choraria!

 

Amou, perdeu-se e morreu amando.

 

É a história. E história assim poderá ouvi-la a olhos enxutos a mulher, a criatura mais bem formada das branduras da piedade, a que por vezes traz consigo do Céu um reflexo da divina misericórdia?! Essa, a minha leitora, a carinhosa amiga de todos os infelizes, não choraria se lhe dissessem que o pobre moço perdera a honra, reabilitação, pátria, liberdade, irmãs, mãe, vida, tudo, por amor da primeira mulher que o despertou do seu dormir de inocentes desejos?!

 

Chorava, chorava! Assim eu lhe soubesse dizer o doloroso sobressalto que me causaram aquelas linhas, de propósito procuradas, e lidas com amargura e respeito e, ao mesmo tempo, ódio. Ódio, sim... A tempo verão se é perdoável o ódio, ou se antes me não fora melhor abrir mão desde já de uma história que me pode acarear enojos dos frios julgadores do coração e das sentenças que eu aqui lavrar contra a falsa virtude de homens, feitos bárbaros, em nome da sua honra.

 

 

Primeiro capítulo:

 

O primeiro capítulo da narrativa tem como objetivo contar a história pessoal dos pais de Simão:

 

"Domingos José Correia Botelho de Mesquita e Meneses, fidalgo da linhagem e um dos mais antigos solarengos de Vila Real de Trás-os-Montes, era em 1779, juiz de fora de Cascais, e nesse mesmo ano casara com uma dama do paço, D. Rita Teresa Margarida Preciosa da Veiga Caldeirão Castelo Branco, filha de um capitão de cavalos, neta de outro, Antônio de Azevedo Castelo Branco Pereira da Silva, bem notável por sua jerarquia, como por um, naquele tempo, precioso livro acerca da Arte da Guerra.

Dez anos enamorado, mal sucedido, consumira em Lisboa o bacharel provinciano. Para fazer-se amar da formosa dama D. Maria I minguavam-lhe dotes físicos: Domingos Botelho era extremamente feio. Para se inculcar como partido conveniente a uma filha segunda, faltavam-lhe bens de fortuna: os haveres dele não excediam a trinta mil cruzados em propriedades Douro. Os dotes do espírito não o recomendavam também: era avançadíssimo de inteligência (...)

Domingos Botelho devia ter uma vocação qualquer, e tinha: era excelente flautista; foi a primeira flauta de seu tempo; e a tocar flauta se sustentou dois anos em Coimbra, durante os quais seu pai lhe suspendeu as mesadas(...)" p. 19

 

Além de apresentar os pais de Simão, o narrador informa-nos que Domingos Botelho tinha ido para o Viseu como juiz e porque sempre tivera sonhos de fidalguia, mandou esculpir um brasão de sua família, mas não colocou nele as armas da família da mulher, D. Rita Teresa. A esposa indispôs-se contra o marido, razão pela qual o brasão não era ostentado pelo casal. A família era assim constituída:

"Domingos Botelho casou com D. Rita Preciosa. Rita era uma formosura, que ainda aos cinqüenta anos se podia prezar de o ser. E não tinha outro doto, se não é dote uma série de avoengos, uns bispos, outros generais, e entre estes o que morrera frígido em caldeirão de não sei que terra mourisca, glória, na verdade, um pouco ardente, mas de tal monta que os descendentes do general frito se assinaram Caldeirões.

Mas não eram felizes:

A dama do paço não foi ditosa com o marido. Molestavam-na saudades da corte, das pompas das câmaras reais, e dos amores de sua feição e molde, que imolou ao capricho da rainha. Este desgostoso viver, porém, não empeceu que se reproduzissem em dois filhos e três meninas. O mais velho era Manuel, o segundo Simão; das meninas uma era Maria, a segunda Ana e a última tinha o nome da mãe, e alguns traços de beleza dela." (p. 21)

 

"Domingos Botelho desconfiava da eficácia dos merecimentos próprios para cabalmente encher o coração de sua mulher. Inquietava-o o ciúme; mas sufocava os suspiros, receando que Rita se desse por injuriada da suspeita. E razão era que se ofendesse. A neta do general frigido no caldeirão sarraceno ria dos primos, que, por amor dela, eriçavam, empoavam as cabeleiras com desgracioso esmero, e cavaleavam estrepitosamente na calçada os seus ginetes (...)

 

Simão e Manuel estudavam em Coimbra; Simão era um arruaceiro, brigão e de mau comportamento, o que obriga Manuel a deixar a cidade, preocupado e envergonhado, queixando-se insistentemente ao pai para "que lhe dê outro destino". O pai, no entanto, aprecia o comportamento do filho desordeiro:

"O corregedor admira a bravura de seu filho Simão, e diz à consternada mãe que o rapaz é a figura e o gênio de seu bisavô Paulo Botelho Correia, o mais valente fidalgo que dera Trás-os-Montes."(p. 24)

 

Simão também vem, nas férias, a Viseu , e mais: com seus exames feitos e aprovados:

"O pai maravilhava-se do talento do filho, e desculpa-o da extravagância por amor do talento. Pede-lhe explicações do seu mau viver com Manuel, e ele responde que seu irmão o quer forçar a viver monasticamente." (p.25)

 

Observe como o narrador descreve Simão Botelho:

"Os quinze anos de Simão têm aparências de vinte. É forte de compleição; belo homem com as feições de sua mãe, e a corpulência dela; mas de todo avesso de gênio. Na plebe de Viseu é que ele escolhe amigos e companheiros. Se D. Rita lhe censura a indigna eleição que faz, Simão zomba das genealogias, e mormente o general Caldeirão que morreu frito. Isto bastou para ele granjear a malquerença de sua mãe. O corregedor via as coisas pelos olhos de sua mulher, e tomou parte no desgosto dela e na aversão ao filho. As irmãs temiam-no, tirante Rita, a mais nova, com quem ele brincava puerilmente, e a quem obedecia, se ela lhe pedia, com meiguices de criança, que não andasse com pessoas mecânicas." (p. 25)

 

Já no final das férias, Simão se envolve numa briga para defender um de seus criados de sua casa que fora dar água aos machos (animais) no chafariz e lá quebrou, sem querer, vasilhas que estavam no parapeito da fonte. Os donos das vasilhas espancaram o criado e Simão quebrou-lhes todas elas no parapeito.

Foram queixar-se ao pai e Simão foge para Coimbra com o dinheiro obtido junto à mãe, uma vez que o pai, enfurecido, mandou o meirinho prendê-lo de qualquer maneira. Lá, Simão aguardaria o perdão do pai.

Quando soube que D. Maria dera apoio ao filho, o juiz fingiu enfurecer-se e , depois, confessou que era "brutal e estúpido juiz."

Segundo capítulo:

 

O narrador nos conta que "Simão Botelho levou de Viseu para Coimbra arrogantes convicções de sua valentia." E um dia, em meio a um discurso inflamado na Praça de Sansão, foi preso. Saiu de lá seis meses depois:

"Perdido o ano letivo, foi para o Viseu Simão. O corregedor repeliu-o da sua presença com ameaças de o expulsar de casa. A mãe, mais levada do dever que do coração, intercedeu pelo filho e conseguiu sentá-lo à mesa comum." (p. 28)

 

No Viseu, operam-se maravilhas nos costumes de Simão:

"As companhias da ralé desprezou-as. Saía de casa raras vezes, ou só, ou com a irmã mais nova, sua predileta. O campo, as árvores e os sítios mais sombrios e ermos eram o seu recreio. (...)

D. Rita pasmava da transfiguração, e o marido, bem convencido dela, ao fim de cinco meses, consentiu que seu filho lhe dirigisse a palavra."

Havia, no entanto, uma razão para isso: Simão apaixonara-se por Teresa:

"Simão Botelho amava. Aí está uma palavra única, explicando o que parecia absurda reforma aos dezessete anos.

Amava Simão uma sua vizinha, menina de quinze anos, rica herdeira, regularmente bonita e bem-nascida. Da janela do seu quarto é que ele a vira pela primeira vez, para amá-la sempre. Não ficara ela incólume da ferida que fizera no coração do vizinho; amou-o também, e com mais seriedade que a usual nos seus anos."(p.29)

 

Você deve observar no trecho abaixo uma característica típica do escritor: a intrusão do narrador, em primeira pessoa, a fim de comentar um fato, dar definições sobre sentimentos. Embora esta característica também apareça no Realismo machadiano, por exemplo, existe uma distância grande entre ambos. Machado jamais "julga"ou avalia os assuntos, enquanto Camilo o faz, dá opiniões, posiciona-se, o que seria imperdoável para um realista:

"Os poetas cansam-nos a paciência a falarem do amor da mulher aos quinze anos, como paixão perigosa, única e inflexível. Alguns prosadores de romances dizem o mesmo. Enganam-se ambos.

O amor dos quinze anos é uma brincadeira; é a última manifestação do amor às bonecas; é a tentativa da avezinha que ensaia o vôo fora do ninho, sempre com os olhos fitos na ave-mãe, que a está da fronde próxima chamando: tanto sabe a primeira o que é amar muito, como a segunda o que é voar para longe.

Teresa Albuquerque devia ser, porventura, uma exceção no seu amor." (p.29)

 

Os pais de Teresa e Simão eram inimigos "por motivos de litígios, em que Domingos Botelho lhe deu sentenças contra. Afora isso, ainda no ano anterior dois criados de Tadeu de Albuquerque tinham sido feridos na celebrada pancadaria da fonte. É , pois, evidente que o amor de Teresa, declinando de si o dever de obtemperar e sacrificar-se ao justo azedume de seu pai, era verdadeiro e forte. " (p.29)

 

O tema do impedimento amoroso é vasto em literatura, como recorrência; Camilo usa aqui o arquétipo conhecido e usado, inclusive, por Shakespeare em Romeu e Julieta: o amor impossível, pais inimigos que não aceitam o amor entre os filhos.

 

Simão e Teresa viam-se discretamente, sem que a família ou vizinhos pudessem suspeitar deles. Prometiam-se um futuro:

"O destino que ambos se prometiam era o mais honesto: ele ia formar-se para poder sustentá-la, se não tivessem outros recursos; ela esperava que seu velho pai falecesse para, senhora sua, lhe dar, com o coração, o seu grande patrimônio."

 

Chega o tempo de voltar novamente à Coimbra. Na véspera de ir embora, quando ambos se despediam de longe, através de olhares, a suspirosa menina foi arrancada da janela. Ficou alucinado, ouvindo os gemidos dela, ferveu-lhe o sangue diante da impotência de socorrê-la.

Parte no outro dia, e, na hora da partida, recebe de uma mendiga, que lhe pede esmolas, uma carta escrita por Teresa. Esta será a primeira entre muitas outras que o livro traz. O tom é lamentoso e triste:

"Meu pai diz que vai me encerrar num convento por tua causa.

Sofrerei tudo por amor de ti. Não me esqueças tu, e achar-me-ás no convento, ou no céu, sempre tua de coração, e sempre leal.

Parte para Coimbra. Lá irão dar as minhas cartas; e na primeira te direi em que nome hás de responder à tua pobre Teresa."

 

Na academia, em Coimbra, a mudança de Simão causou espanto: "Estudava com fervor, como quem dali formava bases do futuro renome e da posição por ele merecida, bastante a sustentar dignamente a esposa. A ninguém confiava seu segredo senão às cartas que enviava a Teresa, longas cartas em que folgava o espírito da tarefa da ciência."

 

Manuel, cadete em Bragança, volta a Coimbra e vai morar de novo com o irmão. Mas foge com uma açoreana casada com um acadêmico. Fogem para Lisboa.

 

O capítulo termina quando "No mês de fevereiro de 1803 recebeu Simão Botelho uma carta de Teresa. No seguinte capítulo se diz minuciosamente a peripécia que forçara a filha de Tadeu Albuquerque a escrever aquela carta de pungentíssima surpresa para o acadêmico, convertido aos deveres, à honra, à soiedade e a Deus, pelo amor."(p. 31)

 

Capítulo 3

 

O pai de Teresa jamais consentiria num casamento entre os dois e, pobre dos dois amantes, "O magistrado mofava do rancor do seu vizinho, e o vizinho malsinava de venalidade a reputação do magistrado."

Teresa, da janela, aproxima-se de Rita, irmã mais amada de Simão. Um dia, ambas são surpreendidas numa conversa . Tadeu Albuquerque acredita na filha, adverte-a suavemente.

 

Mas havia um motivo maior para essa suavidade inusitada: o pai pretendia casá-la com um primo, Baltazar Coutinho, também fidalgo.

"Cuidava o velho, presunçoso conhecedor do coração das mulheres, que a brandura seria o mais seguro expediente para levar a filha ao esquecimento daquele pueril amor a Simão."

O pai de Teresa jamais proferira palavra sobre o que sabia haver entre os dois jovens, mas, em segredo, chamara à sua casa do primo Baltazar e com ele tratara um casamento sem que consultasse a filha.

Baltazar encantou-se com a idéia e nele inflamou uma paixão; instigado pelo tio, o rapaz aproximou-se um dia da melancólica menina:

 

"- É tempo de lhe abrir o meu coração, prima. Está bem disposta a ouvir-me?

- Eu estou sempre bem disposta a ouvi-lo, primo Baltazar."

E o fidalgo, diante da frieza da resposta, completou:

"- Os nossos corações penso eu que estão unidos; agora é preciso que nossas casas se unam. "

 

Teresa empalideceu, baixou os olhos, o que fez Baltazar perguntar-lhe se lhe dissera alguma coisa desagradável. E Teresa responde, firmemente convicta de seu amor por Simão:

"- Disse-me o que é impossível fazer-se — respondeu ela sem turvação. — O primo engana-se: os nossos corações não estão unidos. Sou muito sua amiga, mas nunca pensei em ser sua esposa, nem me lembrou que o primo pensasse em tal."

O rapaz fica aborrecido e insiste em saber quem disputa com ele o coração da prima. Claro que já tinha sido devidamente informado pelo pai dela e, tomado de um rancor grande contra o amado de Teresa revela que conhece Simão da Academia em Coimbra e que , como amigo, deve advertir a prima sobre o caráter do rapaz.

Mais, ainda:

"- Não se zangue, prima. Vou-lhe dizer as minhas últimas palavras: eu hei de, enquanto viver, trabalhar para salvá-la das garras de Simão Botelho. Se seu pai faltar, fico eu. Se a leis a não defenderem dos ataques do seu demônio, eu farei ver ao valentão que a vitória sobre aguadeiros não o poupa ao desgosto de ser levado a pontapés para fora da casa de meu tio Tadeu de Albuquerque."

A moça é tomada de um ataque de raiva e pergunta ao primo se quer governar-lhe. O primo sai dali e procura o tio, contando-lhe o essencial do diálogo entre ambos. O pai promete espancá-la, mas refreia a sua ira e, depois de algumas horas, comunica à filha que, caso resolvesse dar-se ao filho do maior inimigo, ele já a considerava morta.

Teresa responde que prefere, então, ir para um convento.

 

Capítulo 4

 

"O coração de Teresa estava mentindo! Vão lá pedir sinceridade ao coração!

Para finos entendedores, o diálogo do anterior capítulo definiu a filha de Tadeu Albuquerque. É mulher varonil, tem força de caráter, orgulho fortalecido pelo amor, desapego das vulgares apreensões, se são apreensões a renúncia que uma filha fez do seu alvedrio às imprevidentes e caprichosas vontades de seu pai." (p.38)

O conteúdo da carta de Teresa a Simão era esse, mas ela omitira alguns detalhes como, por exemplo, as ameaças de Baltazar.

Tudo parecia certo e melhor: o primo voltara ao solar de Castro-Daire, o pai não falara mais nada a ela sobre convento ou casamento.

Mas, num domingo de junho de 1803, Teresa foi chamada pelo pai para assistir à primeira missa:

"- Vais hoje dar a mão de esposa a teu primo Baltazar, minha filha. É preciso que te deixes cegamente levar pela mão de teu pai. Logo que deres este passo difícil, conhecerás que a tua felicidade é daquelas que precisam ser impostas pela violência. Mas repara, minha querida filha, que a violência dum pai é sempre amor."(p. 39)

Teresa chora desesperada e pede que o pai a mate, mas não a obrigue a casar-se por violência. Mas o pai está impassível: "- Hás de casar! — Quero que cases! Quero... Quando não, serás amaldiçoada para sempre, Teresa! Morrerás num convento! Esta casa irá para teu primo! Nenhum infame há de vir aqui pôr um pé nas alcatifas de meus avós. Se és uma alma vil, não me pertences, não és minha filha, não podes herdar os apelidos honrosos , que foram pela primeira vez insultados pelo pai desse miserável que tu amaas! Malditas sejas! Entra nesse quarto, e espera que daí te arranquem para outro, onde não verás um raio de sol!"(p. 40)

 

Irado, ao encontrar Baltazar, o pai anuncia que não pode dar-lhe a filha em casamento "porque já não tenho filha." Baltazar vai para Castro-Daire, mas aconselha o velho tio a não mandá-la para o convento, muitas bocas falariam, para que?

 

Teresa ficara feliz com a repentina quietude do pai, mas desconfiava que algo não estava bem. Escreve a Simão, desta vez narrando tudo: o recente episódio, os ódios do primo, as ameaças e o medo de violência.

 

Simão, ao tomar conhecimento da notícia, quase enlouqueceu. A primeira coisa que pensou , tomado pela fúria, foi ir a Castro-Daire e apunhalar furiosamente o primo de sua amada. Mas enquanto esperava pelo cavalo, " seu bom anjo, neste espaço, vestido com as galas com que ele vestia na imaginação Teresa, deu-lhe rebates de saudade daqueles tempos e ainda das horas daquele mesmo dia em que cismava na felicidade que o amor lhe prometia, se ele a procurasse no caminho do trabalho e da honra. Contemplou os seus livros com tanto afeto, como se em cada um estivesse uma página da história do seu coração. Nenhuma daquelas páginas tinha ele lido, sem que a imagem de Teresa lhe aparecesse a fortalecê-lo para vender os tédios da continuada aplicação, e os ímpetos dum natural inquieto e ansioso de emoções desusadas." (41-42)

 

Simão parte para o Viseu e hospeda-se em casa de um ferreiro, nas proximidades da cidade, a fim de que ninguém ali soubesse dele. E manda, através da mendiga, uma carta a Teresa. A resposta é melhor do que esperava: ela o verá às 11 em ponto, vai abrir a portão para ele.

Na fantasia do rapaz, haveria de beijá-la, abraçá-la, tocar-lhe o rosto...

Capítulo 5

 

Enquanto Simão esperava, de ouvido colado ao portão que Teresa abriria, a festa do aniversário da menina acontecia lá dentro. Baltazar Coutinho simulava indiferença pela prima.

Todos aconselhavam a aniversariante a reconciliar-se com Baltazar, e também aconselhavam a Tadeu Albuquerque a realizar aquelas reuniões sociais mais a miúdo, a fim de contentar o coração da filha que, dessa forma, poderia dispersar os pensamentos, encantar-se com outras coisas.

"Mas, de agitada que estava, teresa não compartia do gozo dos seus hóspedes. Desde que soaram dez horas daquela noite, a rainha da festa parecia tão alienada das finezas com que as senhoras e homens à competência a lisonjeavam, que Baltazar Coutinho deu tento do desassossego de sua prima, e teve a modéstia de imaginar que ela se ofendera da indiferença dele. " (p.45)

 

Pediu-lhe desculpas; Teresa chamou para junto de si uma menina, a fim de evitar uma aproximação mais frontal do primo e pouco depois saiu da sala.

Baltazar seguiu-a, a menina tornou à sala , mas saiu de lá outra vez, envolvida em um xale escuro. Ouviu um tropel de cavalos e, assustada, retrocedeu à sala. O pai, vendo-a tão aflita perguntou-lhe o que estava acontecendo. Mas ela, vendo que Baltazar ali não estava, disse ao pai que ia procurar pelo primo.

Mas desceu ao jardim, abriu o portão e com a voz entrecortada pela ansiedade disse a Simão que voltasse no dia seguinte às mesmas horas.

 

Baltazar e Simão se vêem no escuro, ameaçam-se, mas o enamorado Botelho prefere retornar à casa do ferrador. Teresa, que passa a noite acordada, escreve-lhe uma carta contando os fatos e não desmarca o encontro que ambos tinham acertado.

 

O ferrador tinha uma filha de 24 anos, Mariana. Simão percebe que ela o observa de modo melancólico e Mariana revela a ele que algo triste está para acontecer a Baltazar, que sabia parcialmente de sua história.

 

João da Cruz, o ferreiro, conta ao rapaz que deve muito a Domingos Botelho, que o havia livrado da prisão. Revela mais: fora criado na casa dos Castro-Daire e que, há bem pouco tempo Baltazar o chamara a fim de oferecer-lhe um "serviço": tirar a vida de um homem e que esse homem era Simão.

Conta também, que ao tomar ciência disso procurou o corregedor, pai de Simão, e que aquele, ao tomar conhecimento dos motivos, disse que jamais consentiria num casamento entre ambos.

João da Cruz oferece-se para raptar Teresa, mas o rapaz quer apenas sua ajuda para vê-la no fim da noite.

Mariana, ao saber que ele teima em ir ver Teresa, apesar dos perigos, chora.

 

Capítulo 6

 

Baltazar contrata dois homens para matar Simão, caso ele venha à casa do tio. E recomenda a um deles:

"Não convém que estejas perto desta porta. Se o homem aparecesse aqui morto, as suspeitas caíam logo sobre mim ou meu tio."(p.51)

 

Escondem-se à distância, e vêem quando João da Cruz se aproxima, logo aparecem o arrieiro e Simão. João avisa ao rapaz que dois homens estão perto da igreja e que neles reconheceu os criados de Baltazar. Houve um tumulto, Simão entrou na porta do quintal, apertou convulsamente a mão de Teresa e foram embora, receosos de que os criados pudessem estar esperando na saída da cidade. Foi o que aconteceu e, no encontro, um criado de Baltazar caiu morto. João da Cruz pede que o rapaz vá na frente; volta e mata o outro criado que havia quebrado a perna e que, há poucos instantes implorava, de joelhos, pela vida.

Ao saber disso, Simão ficou horrorizado:

"- Você é cruel, senhor João — disse o acadêmico.

- Não sou cruel — disse o ferrador — o fidalgo está enganado comigo; é que, diz lá o ditado, morrer por morrer, morra meu pai, que é mais velho. Tanto faz matar um como dois. (...)

Simão teve um instante de horror do homicida, e de arrependimento de se ter ligado a tal homem."(p.61)

Simão ficou ferido durante a luta empreendida.

 

Capítulo 7

 

O ferimento de Simão fora mais sério do que se julgava a princípio: "A bala passara-lhe de revés a porção muscular do braço esquerdo; mas algum vaso importante rompera, que não bastavam compressas a vedar-lhe o sangue. Horas depois de ferido o acadêmico sentiu-se febril, deixando-se medicar pelo ferrador. O arrieiro partiu para Coimbra, encarregado de espalhar a notícia de ter ficado no Porto Simão Botelho."(p. 62)

 

As pessoas do Viseu comentavam que dois homens tinham aparecido mortos, dois criados deo fidalgo de Castro —Daire. Teresa arranja um jeito de escrever a Simão, outra vez pela mendiga:

"Deus permita que tenhas chegado sem perigo a casa dessa boa gente. Eu não sei o que se passa, mas há coisa misteriosa que eu não posso adivinhar. Meu pai tem estado toda a manhã fechado com o primo, e a mim não me deixa sair do quarto. Mandou-me tirar o tinteiro; mas eu felizmente estava prevenida com outro. Nossa Senhora quis que a pobre viesse pedir esmolas debaixo da janela do meu quarto; senão eu nem tinha modo de lhe dar sinal para ela esperar esta carta. Não sei o que ela me disse. Falou-me em criados mortos, mas eu não pude entender... Tua mana Rita está me acenando por trás dos vidros do teu quarto...

Disse-me agora tua mana que os moços de meu primo tinham aparecido mortos perto da estrada. Agora já sei de tudo. Estive para lhe dizer que tu aí estás; mas não me deram tempo. Meu pai de hora a hora dá passeios no corredor, e solta uns ais muito altos.

Ó meu querido Simão, que será feito de ti?... Estás ferido? Serei eu a causa da tua morte?

Dize-me o que souberes. Eu já não peço a Deus senão pela tua vida. Foge desses sítios; vai para Coimbra, e espere que o tempo melhore a nossa situação. Tem confiança nesta desgraçada, que é digna da tua dedicação... Chega a pobre: não quero demorá-la mais... Perguntei-lhe se se dizia de ti alguma coisa, e ela respondeu que não. Deus o queira."(p. 62-63)

 

Baltazar foi chamado pela polícia, respondeu que os criados eram seus sim, mas que não sabia por que estavam mortos, nem quem os matara, posto que não tivessem inimigos no Viseu.

 

Tadeu Albuquerque toma uma decisão extrema: vai internar a filha num convento. Escolhera Monchique, onde a prioresa era uma parenta dos Albuquerque, e, ao enviar os papéis para que ela os receba, determina que a filha fique de passagem num convento no Viseu.

No momento em que a mendiga traz a resposta do amado, que Teresa esconde no seio, o pai entra em seus aposentos e pede que ela se vista.

O diálogo é ríspido:

" - Se a sua idéia é obrigar-me a casar com meu primo...

- E daí?

- De certo não caso; morro, e morro contente, mas não caso.

- Nem ele a quer. A senhora é indigna de Baltazar Coutinho. Um homem do meu sangue não aceita para esposa uma mulher que fala de noite aos amantes nos quintais. Vista-se depressa, que vai para um convento.

- Prontamente, meu pai. Esse destino lho pedi eu muitas vezes.

- Não quero reflexões. Daqui a pouco apareça-me vestida. Suas primas esperam-na para a acompanharem."(64)

Aconselhada pelas primas, Teresa não volta atrás a despeito dos apelos delas. E entra para o convento sem uma lágrima.

Ao fechar-se a porta, para grande espanto das monjas, exclamou:

"- Estou mais livre que nunca. A liberdade do coração é tudo."(p.65)

As monjas se irritam com isso e a menina explica que vem ali para sentir-se bem. Mas a prioresa responde-lhe:

"- Quem para aqui vem, menina, há de mortificar o espírito, e deixar lá fora as paixões mundanas." (p.66)

Mas que tipos de monjas ali estavam: falavam mal umas das outras, bebiam vinho até ficarem bêbadas. Depois que a sua acompanhante dormiu, Teresa levantou-se e escreveu a Simão:

"Não receies nada por mim, Simão. Todos esses trabalhos me parecem leves, se os comparo aos que tem padecido por amor de mim. (...) Ama-me assim desgraçada, pois me parece que os desgraçados são os que mais precisam de amor e de conforto."(p.72)

 

Capítulo 8

 

Quando vê o pai fazendo curativos no braço de Simào, Mariana desmaia. O ferreiro recomenda que ela o alimente e cuide das feridas dele.

João e o acadêmico conversam sobre Mariana e o pai lhe conta que não falta a ela pretendentes.

Mariana cuida de Simão com desvelo , seguindo a recomendação do pai que, encarecidamente, antes de sair, pediu que ela o tratasse como se a um irmào ou marido.

O ferreiro volta mais tarde e traz a carta de Teresa. Lá, a moça revelara que o pai a entregara na noite anterior ao cuidado das monjas. Simão escreve uma carta desesperada à amada:

"É necessário arrancar-te daí — dizia a carta de Simão. — Esse convento há de ter uma evasiva. Procura-a, e dize-me a noite e a hora em que devo esperar-te. Se nào puderes fugir, essas portas hão de abrir-se diante da minha cólera. Se daí te mandarem para outro convento mais longe, avisa-me, que eu irei, sozinho ou acompanhado, roubar-te ao caminho. É indispensável que te refaças o ânimo para te não assustarem os arrojos da minha paixão. És minha! Não sei de que me serve a vida, se a não sacrificar a salvar-te. Creio em ti, Teresa, creio. Ser-me-ás fiel na vida e na morte. Não sofras com paciência; luta com heroísmo."(p. 77)

Encarrega o ferreiro de entregar a carta à mendiga e lhe dá a incumbência de entregar à pedinte uma moeda pequena, em prata, como recompensa. João da Cruz desconfia que o fidalgo está sem dinheiro e recomenda à filha que lhe entregue umas poucas economias que ambos guardavam.

Mariana anuncia que a mãe de Simão sabe dele escondido na casa do ferreiro, pois havia mandado chamar lá o pai. Mas era mentira, apenas um modo para dizer ao rapaz que a mãe mandava-lhe dinheiro... o dinheiro deles mesmos, que Simào recebia certo de que era originário de sua casa.

 

Capítulo 9

 

Como se o pai demorasse a chegar, Mariana preocupa-se, julgando-o preso no Viseu. João da Cruz chega e traz o dinheiro, que entrega ao rapaz como se viesse da mãe. Simão quer pagar-lhe a hospedagem, o ferreiro não aceita.

Cinco dias decorreram. As cartas entre Simão e Teresa eram trocadas; algumas cheias de saudades, outras de esperança. A última desespera Simão:

"Não me desampares, Simão; não vás para Coimbra. Eu receio que meu pai me queira mudar deste convento para outro mais rigoroso. Uma freira me disse que eu não ficava aqui; outra positivamente me afirmou que o pai diligencia a minha ida para um mosteiro do Porto. Sobretudo, o que me aterra, mas nào me dobra, é saber eu que o intento do meu pai é fazer-me professar. Por mais que imagine violências e tiranias, nenhuma vejo capaz de me arrancar os votos. Eu não posso professar sem ser noviça por um ano, e ir a perguntas três vezes, hei de responder sempre que não. Se eu pudesse fugir daqui!!!... "(p. 85)

Com a aceitação da prioresa de Monchique, totalmente desconhecida de Teresa, o pai manda avisar à filha, de repente, que partirá com ela de madrugada. Não há como avisar Simão. Teresa finge-se doente.

Quando a mendiga recebe o bilhete de Teresa e parte para entregá-lo a Simão, o hortelão do convento a prende, espanca e entrega a mensagem ao pai de Teresa.

 

Mas a mendiga vai a Simão e conta tudo. Ele quase enlouquece, mas Mariana diz conhecer uma moça que trabalha lá dentro do convento, e que vai entregar a correspondência a ela, que fique sossegado.

 

Na carta, o rapaz pedia à amada que fugisse, que ele a esperaria, que marcasse horas para isso ser. Mariana sai para entregar a carta e esperar pela resposta.

 

Capítulo 10

 

Mariana chega ao convento e procura por Joaquina, a amiga. Vê de longe Teresa Albuquerque e pergunta à amiga se pode falar com ela. Fica sabendo que trazem a moça debaixo dos olhos, sempre, e que ela partirá no dia seguinte.

Insiste e consegue ver Mariana, entregando-lhe a carta:

"- Eu não posso escrever-lhe, que me roubaram meu tinteiro, e ninguém me empresta um. Diga-lhe que vou de madrugada para o convento de Monchique, do Porto. Que não se aflija, porque eu sou sempre a mesma. Que não venha cá, porque isso seria inútil, e muito perigoso. Que vá ver-me ao Porto, que hei de arranjar um modo de lhe falar. Diga-lhe isto, sim?

- Sim, minha senhora.

- Não se esqueça, nào? Vir cá, de modo nenhum. É impossível fugir, e vou muito acompanhada. Vai o primo Baltazar e minhas primas, e meu pai, e não sei quantos criados de bagagem e das liteiras. Tirar-me no caminho é uma loucura com resultados funestos. Diga-lhe tudo, sim?" (p. 91)

 

Simão decide ver a amada partir e é desaconselhado pelo ferreiro:

"Paixões... que as leve o diabo, e mais quem com elas engorda. Por causa de uma mulher, ainda que ela seja filha do rei, não se há de um homem botar a perder. Mulheres há tantas como a praga, e são como as rãs do charco, que mergulha uma e aparecem quatro à tona da água. Um homem rico e fidalgo como vossa senhoria, onde quer que topa uma com um palmo de cara como se quer e um dote de encher o olho. Deixai-a ir com Deus ou com a breca, que ela, se tiver que ser sua, à mão lhe há de vir dar, tanto faz andar para trás como para diante: é ditado dos antigos."(p. 93)

 

Mas Simão, amargurado, escreveu-lhe uma longa carta:

"Considero-te perdida, Teresa. O sol de amanhã pode ser que eu o não veja. Tudo, em volta de mim, tem uma cor de morte. Parece que o frio de minha sepultura me está passando o sangue e os ossos.

Não posso ser o que tu querias que eu fosse. A minha paixão não se conforma com a desgraça. Eras a minha vida: tinha a certeza de que as contrariedades me não privavam de ti. Só o receio de perder-te me mata. O que me resta do passado é a coragem de ir buscar uma morte digna de mim e de ti. Se tens força para uma agonia lenta, eu não posso com ela.

Poderia viver com a paixão infeliz; mas este rancor sem vingança é um inferno. Não hei de dar barata a vida, não. Ficarás sem mim, Teresa; mas não haverá aí um infame que te persiga depois da minha morte. Tenho ciúmes de todas as tuas horas. Hás de pensar com muitas saudades no teu esposo do céu, e nunca tirarás de mim os olhos da tua alma para veres ao pé de ti o miserável que nos matou a realidade de tantas esperanças formosas.

Tu verás esta carta quando eu estiver num outro mundo, esperando orações de tuas lágrimas (...)

lembra-te de mim. Vive, para explicares ao mundo, com a tua lealdade a uma sombra, a razão por que me atraíste a um abismo. Escutarás com a glória a voz do mundo, dizendo que eras digna de mim.

À hora em que leres esta carta..."(p. 94)

 

Mariana, ao ver o amigo desolado, chora e diz que é a última vez que porá a mesa para ele. pede a Simão que nào saia aquela noite, nem no dia seguinte e fica sabendo que ele deseja ver Teresa partir. Conta ao pai, que decide acompanhá-lo.

Mas Simão, em meio à noite, levanta-se a parte só. Mariana estava velando e despede-se do rapaz. Simão chega ao convento à uma da manhã e espera até às quatro, quando, então, ouve o barulho das liteiras.

Vê Baltazar e o velho pai, que parece alquebrado.

Ao aparecer Teresa, o pai pergunta se ela quer voltar para casa, esquecer Simão:

"- Não, meu pai. O meu destino é o convento. Esquecê-lo nem por morte. Serei filha desobediente, mas mentirosa é que nunca."(p. 98)

 

As religiosas saem do convento e encontram Simão encostado à parede. Teresa também o vê. Há discussão entre ele e Baltazar, e Simào o mata com um tiro na cabeça.

Apesar de João da Cruz, recém-chegado, o instar para fugir, Simão entrega-se. Teresa vai com os criados para o Porto.

 

Capítulo 11

 

A família de Simào foi acordada e avisada da tragédia. O corregedor acordara ao som do rebuliço e do choro das irmãs. Domingos Botelho perguntou à D. Rita o que estava havendo:

"- Pois sim, direi: Simão matou um homem.

- Em Coimbra? ... E fazem tanta bulha por isso!

- Não foi em Coimbra, foi em Viseu — tornou D. Rita.

- A senhora manga comigo?! Pois o rapaz está em Coimbra, e mata em Viseu! Aí está um caso para que as Ordenações do Reino não providenciaram.

- Parece que brinca, Meneses! Seu filho matou na madrugada de hoje Baltazar Coutinho, sobrinho de Tadeu de Albuquerque." (p.101)

 

O pai nega-se a ir à casa do juiz, onde se encontra Simão e pede para que chamem o meirinho, a fim de saber o que se passou: "Eu nào sou pai; sou corregedor. Não me incumbe a mim interrogá-lo. Senhora D. Rita, eu não quero ouvir choradeiras; diga às meninas que se calem, ou que vão chorar no quintal."(p. 101)

 

O meirinho relata a Domingos Botelho o que se passou e aponta a filha de Tadeu Albuquerque como a culpada pelo desatino do rapaz. Ouvida a história, o pai conclui:

"- O juiz de fora que cumpra as leis; se ele não for rigoroso, eu o obrigarei a sê-lo."(p.102)

Irritado, quando sai o meirinho, diz à mulher que preferia ver o filho morto que ligado àquela família. O juiz vem à casa do corregedor e diz que a situação de Simão é péssima.

"- Confessa tudo. Diz que matou o algoz da mulher que ele amava..."

Domingos Botelho está irado. O juiz tenta dizer ao pai que ajude o filho, mas Domingos Botelho , mesmo diante da afirmação do juiz de que está sendo severo demais com o filho, manda aplicar-lhe o rigor das leis e acrescenta que Simão já não tem no Viseu nenhum parente que o defenda..

A mãe manda-lhe o almoço e, pela teor da carta que acompanhava a refeição fica sabendo que o dinheiro que recebera era de João da Cruz. A filha do ferreiro, mais tarde, vem vê-lo.

Simão pede que lhe compre tinteiro e escrivaninha para a cela. Dela, fica sabendo que Teresa foi para o Porto.

Capítulo 12

 

O corregedor e a família partem do Viseu para Vila Real. Ritinha ainda tenta ver o irmão, mas o pai a repreende asperamente. É através dos apontamentos dela que podemos tomar ciência dos fatos. O narrador nos apresenta como que uma narrativa cuja autora é Ritinha:

"Logo que chegamos a Vila Real, eram tão freqüentes as desordens em casa, à conta do Simão, que meu pai abandonou a família, e foi sozinho para Montezelos. A mãe quis também abandonar-nos e ir para os primos de Lisboa, a fim de solicitar livramento do mano. Mas meu pai, que fizera uma espantosa mudança de gênio, quando tal soube, ameaçou minha mãe de a abrigar judicialmente a não sair da casa de seu marido e filhas.

Escrevia minha mãe a Simão, e não recebia resposta. Pensava ela que o filho não respondia: anos depois, vimos entre os papéis de meu pai todas as cartas que ela escrevera. Já se vê que o pai as fazia tirar do correio."

Ritinha anota também que uma mulher do Viseu escrevera à mãe para louvar a afeiçào com que ela tratava o filho preso e dá contas que uma moça, Mariana, cuidava dele com desvelo, comentando-se que com o dinheiro que a mãe mandava.

 

"Passados sete meses, soubemos que Simão tinha sido condenado à forca(...) minha mãe caiu doente."(p. 109)

Parentes intervêm e Domingos Botelho cede, indo a Lisboa, para onde o rapaz, posteriormente, foi levado. Intercedeu pelo filho a contragosto.

O julgamento de Simão confirmou a notícia: seria enforcado. Mariana, que estava assistindo ao julgamento, grita desesperada depois da sentença. Simão fala:

"- Ides ter um belo espetáculo, senhores! A forca é a única festa do povo! levai daí essa pobre mulher que chora; essa é a criatura única para quem o meu suplício não será um passatempo."(p. 111)

 

Mariana foi encontrada à saída do tribunal, pelo pai, ferida e demente. Levou-a amarrada para casa, mas deixou a cargo de outra pessoa as refeições do condenado.

Em casa, Mariana sentava-se à banca e escrevia o nome de Simào centenas de vezes, enquanto chorava, enquanto imaginava que seu sofrimento era igual ao de Teresa.

 

Capítulo 13

 

Teresa fora acompanhada ao Porto por uma criada do pai; esta agora, diante do sofrimento da moça, apiedara-se dela. Pela criada, fica sabendo que o primo morrera e que Simão fora preso. Pensou em fugir, tentar ajudá-lo, mas foi convencida por Constança de que tal feito só agravaria a situação do moço.

Teresa foi recebida com carinho e brandura em Monchique, apesar das recomendações do pai para que a tia abadessa lhe privasse de todas as regalias e que a impedisse de escrever a quem quer que fosse.

A abadessa dissuadiu-a de escrever ao rapaz, mas recebia as cartas do primo Tadeu Albuquerque, cartas iradas que não mostrava à moça por piedade. Nelas, Tadeu afiançava que Simão iria à forca. Nada falava a Teresa, mas a esta via quando a prima chorava.

"A débil compleição de Teresa deperecia aceleradamente. A ciência condenou-a à morte em breve. Disto foi informado Tadeu Albuquerque, e respondeu: "Que a não desejava morta; mas se Deus a levasse, morreria mais tranqüilo, e com sua honra sem mancha." (p. 117)

 

Uma freira segreda a Teresa que uma freira do convento dos Remédios de Lamego lhe segredara que Simào fora condenado à morte. Teresa pede a ela que leve ao amado uma carta; a religiosa aceita a incumbência. Eis a carta:

"Simão, meu esposo. Sei tudo... Está conosco a morte. Olha que te escrevo sem lágrimas. A minha agonia começou há sete meses. Deus é bom, que me poupou ao crime. Ouvi a notícia da tua próxima morte, e então compreendi por que estou morrendo hora a hora. Aqui está o nosso fim, Simão!... Olha as nossas esperanças! Quando tu me dizias os teus sonhos de felicidade, e eu te dizia os meus!... Que mal fariam a Deus os nossos inocentes desejos?!... Por que nào merecemos nós o que tanta gente tem? ... Assim acabaria tudo, Simão? Não posso crê-lo! "(p.118)

 

Quinze dias depois, Simão recebe a carta e a responde:

"Não me fujas ainda, Teresa. Já não vejo a forca, nem a morte. Meu pai protege-me, e a salvação é possível. Prende ao coração os últimos fios da tua vida. prolonga a tua agonia, enquanto eu te disser que espero. Amanhã vou para as cadeias do Porto, e hei de ali esperar a absolvição ou comutação da sentença. A vida é tudo. Posso amar-te no degredo. em toda parte há céu, flores e Deus. Se viveres, um dia serás livre; a pedra do sepulcro é que nunca se levanta. Vive, Teresa, vive! Há dias, lembrava-me que as tuas lágrimas lavariam da minha face as nódoas do sangue do enforcado. Esse pesadelo atroz passou. (...) Volvi à vida , e tenho o coração cheio de esperanças.

Não morras, filha da minha alma!"(p. 120)

Leu a carta para a criada Constança e prometeu a ela que se um dia estivesse com Simão, a levaria junto e a faria feliz.

Teresa está sem forças, o médico sequer receita mais remédios para ela.

 

Capítulo 14

 

Tadeu Albuquerque vai a Monchique e fica sabendo que a filha está melhor, como se num milagre.

Sofrendo, o velho pai anuncia que gostaria de levá-la de volta a Viseu, mas a prima o desaconselha. Ao ver a filha naquele estado, o pai é tomado de tristeza. E a menina anuncia que não tornará ao Viseu, que ali, em Monchique, pretende viver ou morrer.

"- Se eu entender que estes ares são nocivos à tua saúde, hás de ir, porque é obrigação minha conduzir e corrigir a tua má sina.

- Está corrigida, meu pai. A morte emenda todos os erros da vida.

- Bem sei; mas quero-te viva, e, portanto, recobra forças para o caminho. Logo que tiveres meio dia de jornada, verás como a saúde volta por milagre.

- Não vou, meu pai.

- Não vais?! — exclamou , irritado, o velho, lançando grades as mãos trementes de ira.

- Separam-nos esses ferros a que meu pai se encosta, e para sempre nos separam." (p. 123)

 

O pai agrava mais a discussão ao citar que Simào está no Porto, que ela deve ter vergonha de si mesma. Teresa pede licença para ir à cela, que passa mal; e as irmãs a amparam. A abadessa discute com Tadeu porque este quer levar a filha à força. Enfurecido diante da negativa da prima, vai à polícia solicitar que lhe entreguem a filha e tentar impedir que Simão possa escrever a quem quer que seja. Um dos desembargadores, amigo de infância da mãe de Simào, diz-lhe que reconsidere a sua fúria, que vê em Tadeu um quase homicida, que ele sossegue. Clama o desembargador para que a fúria dele cesse, que já fez sofrer a muita gente.

E revela que Simão não vai mais à forca.

O velho retruca:"Veremos..."

 

Capítulo 15

 

Estamos em março de 1805.

Simão relê as cartas da amada. O ferreiro João da Cruz o visita e diz que Mariana está curada, que vem visitá-lo em breve. Simão pede que não deixe a filha em Lisboa, ao que o ferreiro retruca e informa ao amigo que ele tem em Viseu uma cunhada velha que dele cuida.

O homem vai entregar uma carta do fidalgo a Teresa e fala com ela, oferece-lhe a vida de companhia. E relata, na volta, a Simão, o que falou com Teresa, que lhe pareceu forte.

 

Capítulo 16

 

Manuel, irmão de Simão, volta a Portugal e vai visitar o irmão, ocasião em que conhece Mariana. O corregedor fica enfurecido quando descobre que o filho está no Porto com a concubina.

Enfurecido, faz mais: dá um jeito para que a mulher de Simão torne de volta à sua terra, o que é feito.

" Partiu para Lisboa a açoriana, e dali para a abrigo de sua mãe, que a julgava morta, e lhe deu anos de vida, se não ditosa, sossegada e desiludida de quimeras.

Manuel Botelho, obtido o perdão pela preponderância do corregedor do crime, mudou de regimento para Lisboa, e aí permaneceu até que, falecido seu pai, pediu baixa e voltou à província."(p. 140)

 

Capítulo 17

 

João da Cruz é morto pelo filho do homem que assasinara, que vai procurá-lo em casa e se vinga da morte antiga.

Cabe a Simão dar a notícia a Mariana , que quase enlouquece outra vez. Mas o rapaz a adverte que precisa dela para continuar vivendo:

"Mariana exclamou:

- Deixa-me chorar, por caridade!... Ai!, meu Deus, se eu não torno a endoidecer!

- Que seria de mim! — atalhou Simão. — A quem deixaria Mariana o seu nobre coração para me suavizar este martírio? Quem me levaria ao desterro uma palavra amiga que me animasse a crer em Deus? Nào há de enlouquecer, Mariana, porque eu sei que me estima, que me ama, e que afrontará com coragem a maior desgraça que ainda pode sugerir-me o inferno!mChore, minha irmã, chore; mas veja-me através de suas lágrimas! "(p. 144)

 

Capítulo 18

 

Depois de alguns dias da morte do pai, Mariana voltou ao Viseu e vendeu as terras que o pai lhe deixara, deixando a casa para a tia velha. O pai havia deixado uma pequena fortuna para ela,

Volta ao Porto e deixa tudo nas mãos de Simão, dizendo temer ser roubada na pequena casinha onde agora morava.

Simão diz que irá para o degredo e escuta da devotada Mariana o que já esperava:

"- Vou para o degredo, se vossa senhoria me quiser na sua companhia.

Fingindo-se surpreendido, Simão seria ridículo aos seus próprios olhos.

- Esperava essa resposta, Mariana, e sabia que nào me dava outra. Mas sabe o que é o degredo, minha amiga?

- Tenho ouvido dizer muitas vezes o que é, senhor Simào... É uma terra mais quente que a nossa; mas também há lá pão, e vive-se...

- E morre-se abrasado pelo sol doentio daquele céu, morre-se de saudade da pátria, morre-se muitas vezes dos maus-tratos dos governadores das galés, que têm um condenado na conta de fera.

- Não há de ser tanto assim. Eu tenho perguntado muito por isso à mulher dum preso, que cumpriu dez anos de sentença na Índia, e viveu muito bem em uma terra chamada Solor, onde teve uma tenda; e se não fossem as saudades, diz ela que não vinha, porque lhe corria melhor por lá a vida que por cá."(p. 146)

 

Simão pergunta-lhe o que esperava dele e revela a Mariana que jamais poderá fazê-la sua esposa, insistindo para que ela, já aos 26 anos, cuide de sua vida.

Mariana diz que prefere morrer a ficar sem ele.

Ao cabo de seis meses, o Tribunal deu a sentença: dez anos na Índia.

Domingos Botelho intercedeu pelo filho, Simào poderia apelar da decisão, mas não quis. Poderia, em vez de ir para a Índia, passar dez anos na prisão.

E seu nome foi inscrito na lista dos degredados.

 

Capítulo 19

 

Simào se desvencilhara da forca, restava-lhe agora a humilhação , a miséria e a indigência no seu degredo para a Ïndia. Ele, ali na prisão , esperando o momento de partir; Teresa, no convento, sem seu consolo ou cuidados. Mas Teresa pede a Simào que aceite os dez anos:

"Dez anos! dizia-lhe a enclausurada de Monchique. — Em dez anos terá morrido meu pai e eu serei tua esposa, e irei pedir ao rei que te perdoe, se nào tiveres cumprido a sentença. Se vais ao degredo, para sempre te perdi, Simão, porque morrerás, ou não acharás memória de mim, quando voltares." (p. 153)

 

Mas Simão escreveu:

 

"Não esperes nada, mártir — escrevia-lhe ele. — A luta com a desgraça é inútil, e eu já não posso mais lutar. Foi um atroz engano o nosso encontro. Não temos nada neste mundo. Caminhemos ao encontro da morte... Há um degredo que só no sepulcro se sabe. Ver-nos-emos? (...)

Salva-te ,se podes, Teresa. Renuncia ao prestígio dum grande desgraçado. Se teu pai te chama, vai. Se tem de renascer para ti uma aurora de paz, vive para a felicidade desse dia. "(p. 154)

 

Muitas cartas se seguiram a estas e no dia 10 de março de 1807, o condenado recebeu intimação para sair na primeira embarcação. Nada impedia que Mariana fosse junto. As malas foram feitas, Simão desesperava-se, arrancava os cabelos, lastimava-se:

"E Teresa! — bradava ele, surgindo subitamente do seu espasmo. — E aquela infeliz menina que eu matei! Não hei de vê-la nunca mais, nunca mais! Ninguém me levará ao degredo a notícia de sua morte! E, quando eu a chamar para que me veja morrer digno dela, quem te dirá que eu morri também, ó mártir?!"(p. 155)

 

Capítulo 20

 

"A 17 de março de 1807, saiu dos cárceres da Relação Simão Antônio Botelho, e embarcou no cais da Ribeira, com setenta e cinco companheiros. O filho do ex-corregedor de Viseu, a pedido do do desembargador Mourão Mosqueira, e por ordem do regedor das justiças, não ia amarrado com cordas ao braço de algum companheiro. Desceu da cadeia ao embarque, ao lado de um meirinho, e seguido de Mariana, que vigiava os caixões da bagagem. O magistrado, fiel amigo de D. Rita Preciosa, foi a bordo da nau, e recomendou ao comandante que distinguisse o condenado Simão, consentindo-o na tolda e sentando-o à sua mesa. (...)"

 

Entregou a Simào o dinheiro que a mãe mandara-lhe, mas Simào pede ao comandante que o distribua entre os degredados.

O navio parte e Mariana indica o convento onde estava Teresa. Então, pôde ver sua amada que lhe enviara na véspera uma trança de cabelos.

Teresa também o vê, sente-se mal e é amparada pelas freiras

"Emaçou depois as cartas, e cintou-as com fitas de seda desenlaçadas de raminhos de flores murchas, que Simão, dois anos antes, lhe atirara da sua janela ao quarto dela.

As pétalas das flores soltas quase todas se desfizeram e Teresa, contemplando-as, disse: "Como a minha vida..."- e chorou, beijando os cálices desfolhados das primeiras que recebera.

Deu as cartas a Constança e encarregou-a de uma ordem, a respeito delas, que logo veremos cumprida.

Depois foi orar, e esteve ajoelhada meia hora, com meio corpo reclinado sobre uma cadeira. Erguendo-se, quase tirada pela violência, aceitou uma xícara de caldo, e murmurou com um sorriso: "Para a viagem..."

 

Um pouco mais tarde, pede a Constança que a leve ao mirante e ficou ali, a mirar a nau que levaria os degredados para a Índia.

Quando Simão saiu, a claridade de seus olhos apagou-se; Simào a viu nesse instante.

E nesse instante uma mendiga entregava a ele o pacote de cartas tão bem arranjado...

Ainda pôde abanar para ele um lenço branco, em despedida.

Simão pressentiu que Teresa morrera e, recolhido ao beliche, começa por ter febres que vão , aos poucos, consumi-lo.

Recomenda Mariana ao capitão do navio,fazendo-o prometer que, em caso de sua morte, traria Mariana de volta a Portugal. O capitão promete.

 

Conclusão

 

"Às onze horas da noite, o comandante recolhera-se num beliche de passageiro, e Mariana, sentada no pavimento, com o rosto sobre os joelhos, parecia sucumbir ao quebranto das trabalhosas e aflitivas horas daquele dia.

Simão Botelho velava prostrado no camarote com os braços cruzados sobre o peito, e os olhos fitos na luz que balançava, pendente de um arame. O ouvido tê-lo-ia, talvez, atento a um assobio da ventania: devia de soar-lhe como a um ai plangente aquele silvo agudo, voz única no sil6encio da terra e céu."(p.163)

 

Pôs- se a ler a carta de Teresa, a última entre todas:

"É já o meu espírito que te fala, Simão. A tua amiga morreu. A tua pobre Teresa, à hora em que leres esta carta, se Deus não me engana, está em descanso.

Eu devia poupar-te a esta última tortura; não devia escrever-te; mas perdoa à tua esposa do céu a culpa, pela consolação que sinto em conversar contigo a esta hora, hora final da noite da minha vida.

Quem te diria que eu morri, se não fosse eu mesma, Simão?

Daqui a pouco, perderás de vista este mosteiro; correrás milhares de léguas, e não acharás, em parte alguma do mundo, e pede ao Senhor que te resgate.

Se te pudesses iludir, meu amigo, quererias antes pensar que eu ficava com vida e com esperança de ver-te de volta do degredo? Assim pode ser, mas, ainda agora, neste solene momento, não podia viver. Parece que a mesma infelicidade tem às vezes vaidade de mostrar que o é, até não podê-lo ser mais! Quero que digas: - Está morta, e morreu quando eu lhe tirei a última esperança. (...)

Rompe a manhã. Vou ver a minha última aurora... a última dos meus dezoito anos!

Abençoado sejas, Simão! Deus te proteja, e te livre de uma agonia longa. Todas as minhas angústias Lhe ofereço em desconto das tuas culpas. Se algumas impaciências a justiça divina me condena, oferece tu a Deus, meu amigo, os teus padecimentos, para que eu seja perdoada.

Adeus! À luz da eternidade parece-me que já te vejo, Simão!"

 

Após ler a carta, Simão ergueu-se. Mariana e o comandante o acompanham ao convés, para onde ele leva o maço de cartas. O capitão teme que ele cometa suicídio, o que Simão nega.

Vieram as febres, um médico o examina e diz que está condenado.

Era 27 de março, o nono dia da doença de Simão. Mariana parecia ter envelhecido, Simão delirava, repetindo trechos das cartas de Teresa.

Simão morre, em meio a convulsões e o capitão joga-lhe o corpo ao mar. Mariana também se atira ao mar, morrendo abraçada ao cadáver do fidalgo.

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