José Saramago
Um pouco desse grande
escritor: Saramago nasceu a 16 de Novembro de 1922, na aldeia de Azinhaga, concelho
de Golegã, no Ribatejo. Com apenas dois anos mudou-se com a família para
Lisboa. Com cinco anos, ao entrar para a escola, descobriu-se um erro na
sua certidão de nascimento. O funcionário do Registro acrescentou
Saramago, ao nome da família, como seu apelido. Desta forma, José foi o
primeiro Saramago da família Meirinho Sousa. O escritor leu seu
primeiro livro aos 11 anos: "O Mistério do Moinho", um presente
da mãe. Já o seu primeiro emprego foi como serralheiro, nas oficinas do
Hospital Civil de Lisboa. Ao mesmo tempo em que trabalhava (foi mecânico,
desenhista, funcionário público e jornalista), Saramago enriquecia sua
cultura, lendo tudo que lhe chegasse às mãos. Foi em 1944 que o jovem
José casou-se com a pintora Ilda Reis. Três anos depois, publicou sua
primeira novela, chamada "Terra do Pecado". Em 49 nasceu
sua primeira filha, que recebeu o nome de Violante.
Em 1966, Saramago lançou seu primeiro livro de poesias, intitulado
"Os Poemas Possíveis", para, três anos mais tarde, ingressar
no Partido Comunista Português, partido no qual permanece até hoje e do
qual virou uma espécie de baluarte, antes e depois do Nobel.
No início da década de 70 o escritor divorciou-se da sua primeira mulher
e passou a exercer as funções de editor no "Diário de Notícias".
Saramago fez de tudo um pouco durante a vida: foi desenhista, funcionário
da saúde, representante da previdência social, editor, tradutor e
jornalista.
Em 74, tiveram lugar dois acontecimentos importantes na vida de Saramago:
antes da revolução, editou seu primeiro livro de crônicas políticas.
Depois do 25 de Abril (Revolução dos Cravos, que pôs fim a ditadura
Salazarista), foi chamado para trabalhar no Ministério de Comunicação
Social. Posteriormente foi nomeado diretor-adjunto do Diário de Notícias,
cargo em que durou pouco. Desempregado, tomou a melhor atitude que poderia
tomar em sua vida, que foi dedicar-se somente à tarefa de escrever,
aquilo que sabia fazer melhor, sem dúvida alguma. Durante alguns meses,
mudou-se para Lavre, Montemor-o-Novo, local onde conviveu com os
trabalhadores da União Cooperativa de Produção Boa Esperança. Deste
relacionamento nasceu "Levantado do Chão", um grande sucesso.
No último ano da década de 70 foi contemplado com o Prêmio da Associação
de Críticos Portugueses pela peça "A Noite". Pouco depois,
"Levantado do Chão" recebeu o Prêmio Cidade Lisboa.
Em 1982, mais dois prêmios: do PEN Clube Português e o Literário do
Município de Lisboa, pelo seu mais novo sucesso, "Memorial do
Convento". Dois anos depois surgia "O Ano da Morte de Ricardo
Reis", contemplado com o Prêmio do PEN Clube Português e com o Prêmio
Dom Dinis da Fundação Casa de Mateus. Pouco mais tarde veio mais uma
distinção, o Prêmio da Crítica pelo conjunto da obra. Os prêmios e o
reconhecimento não paravam mais: da Itália vieram mais duas vitórias na
vida daquele que, apesar das dificuldades encontradas no longo caminho da
vida, jamais abdicara de seus sonhos e suas convicções: o Prêmio
Grinzane-Cavour (Alba) concedido a "O Ano da Morte de Ricardo Reis”
e o doutoramento “Honoris Causa” da Universidade de Turim.
Foi em 1988 que Saramago casou-se pela segunda vez, com a jornalista
espanhola Pilar del Rio, sua companheira até hoje. Em 1990 estreava a ópera
Blimunda, no Teatro Alla Scala de Milão, com música de Azio Corghi
baseado no livreto extraído de "Memorial do Convento". Um ano
depois deu-se o lançamento da obra mais polemica e mais feliz do autor:
"O Evangelho segundo Jesus Cristo", imediatamente recebendo o
Grande Prêmio de Novela da Associação Portuguesa de Escritores.
Saramago venceu também o Prêmio Bracati (Zafferana, Itália) e foi
nomeado Doutor "Honoris Causa" pela Universidade de Sevilha,
sendo posteriormente condecorado Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras
Francesas (França). Em 1992, absurdamente, o governo português proibiu a
candidatura de "O Evangelho segundo Jesus Cristo" ao Prêmio
Literário Europeu, sem saber que o tempo e os fatos seriam implacáveis
com essa arbitrariedade. Seguiu-se mais reconhecimento na Itália:
Saramago foi o ganhador Prêmio Internacional Ennio Faiano (Pescara) por
"Levantado do Chão”, e do Prêmio Internacional Literário
Mondello (Palermo).
Em 1993 o escritor mudou-se para Lanzarote, nas Ilhas Canárias e
tornou-se membro do Parlamento Internacional de Escritores, com sede em
Estrasburgo. Foi consagrado com mais dois Prêmios, sendo estes o The
Independent de ficção estrangeira para a tradução inglesa de "O
Ano da Morte de Ricardo Reis", e o Vida Literária da Associação
Portuguesa de Escritores. Em 1994 veio a público o primeiro volume da série
"Cadernos de Lanzarote", mesmo ano em que Saramago ingressou na
Academia Universal das Culturas, de Paris, associou-se à Academia
Argentina de Letras, tornou-se membro do Patronato de Honra da Fundação
César de Manrique, de Lanzarote e foi proclamado sócio honorário da
Sociedade Portuguesa de Autores.
Um ano depois o escritor publicava "Ensaio sobre a cegueira",
bem como o segundo volume dos "Cadernos...", arrebatava o Prêmio
Camões e o Prêmio Consagração da Sociedade Portuguesa de Autores, ao
passo em que era também alçado à condição de Doutor "Honoris
Causa" pela Universidade inglesa de Manchester. Há muito o mundo já
se rendeu ao talento de Saramago e vários de seus livros ganharam tradução
pelos quatro cantos do planeta.As obras de José Saramago encontram-se
publicadas na Espanha, na França, Itália, Reino Unido, Holanda,
Alemanha, Grécia, Brasil, Bulgária, Polônia, Cuba, Rússia, Checoslováquia,
Dinamarca, Israel, Noruega, Romênia, Suécia, Finlândia, Estados Unidos,
Japão, Hungria, Suíça, Argentina, Colômbia e México entre outros.
José Saramago chegou a receber uma proposta da atriz Dina Sfat, de
transformar Memorial do Convento em uma novela brasileira, mas recusou
argumentando que não tinha interesse em ser rico. Vejamos a entrevista
concedida em outubro de 1998 à revista Playboy: SARAMAGO
- Não. Ao olhar para estas paredes, diga: "Estão feitas com
livros". Não tenho bens de outra natureza. Se quisesse ser rico,
tinha permitido que se adaptasse o "Memorial do Convento" a uma
novela brasileira. SARAMAGO
- A [falecida atriz] Dina Sfat , em Lisboa, disse-me: "Queremos fazer
o "Memorial do Convento" ". Eu disse nessa altura: "Não
tenho qualquer razão para querer ser rico". Evidentemente que se dirá
hoje: "Ah, mas você vive bem". Vivo relativamente bem. Mas isso
não é como resultado de um projeto para enriquecer. SARAMAGO
- Esse foi um caso em que eu cedi. Mas não cedi a nada senão à simpatia
da própria pessoa [a professora húngara Yvette Biró, da Universidade de
Nova York]. Ela mostrou um interesse tão grande, de uma forma tão
inteligente... O guião [roteiro] está feito, ela está à procura de um
produtor, parece que está bastante adiantado - mas a verdade é que não
dou seguimento a nada, como se no fundo quisesse que tudo isso abortasse.
Há outras situações, como, por exemplo, a que se refere ao "Ensaio
sobre a Cegueira”. Oito produtoras norte-americanas e uma inglesa estão
a ler o livro. Já disse ao meu agente: "Deixa-os lá fazer
propostas, mas não será adaptado o livro". PLAYBOY -
Nem se for uma proposta extremamente tentadora? SARAMAGO - É preciso pensar sobre o que
produtores norte-americanos fariam de um livro como esse. SARAMAGO
- Aproveitariam o que no livro há de mais exterior, que é a violência e
o sexo. E aquilo que é importante, a interrogação sobre como é que nós
nos comportamos, que uso fazemos da nossa razão, que cegueira nossa é
essa que não é dos olhos mas do espírito, que relações humanas são
essas a que chamamos humanas e que de humanas têm tão pouco. A lição
que o livro pretende dar desapareceria completamente.
Contudo, foi em 1998 que veio verdadeiramente o auge de sua carreira literária
e, por conseguinte, a coroação da qualidade da literatura de expressão
portuguesa, tão injustiçada pelos organizadores do Prêmio Nobel durante
esse século: José Saramago foi finalmente condecorado com o galardão máximo
do mundo das letras. A entrega do Prêmio, decorrida a 10 de Dezembro em
Estocolmo, na Suécia, não somente fez justiça a excelência desse
grande autor lusitano, como simbolizou o reconhecimento - tardio - da
importância de nossa literatura, cobrindo tanto os portugueses de
Portugal, quanto os que se encontram espalhados pelo mundo, com um raro e
imensurável sentimento. Abaixo, um trecho do discurso de José Saramago
quando deu-se entrega do Prêmio Nobel: “Alguém não anda a cumprir o seu dever. Não andam a cumpri-lo os
governos, porque não sabem, porque não podem, ou porque não querem. Ou
porque não lho permitem aquelas que efetivamente governam o mundo, as
empresas multinacionais e pluricontinentais cujo poder, absolutamente não
democrático, reduziu a quase nada o que ainda restava do ideal da
democracia. Mas também não estão a cumprir o seu dever os cidadãos que
somos. Pensamos que nenhuns direitos humanos poderão subsistir sem a
simetria dos deveres que lhes correspondem e que não é de esperar que os
governos façam nos próximos 50 anos o que não fizeram nestes que
comemoramos. Tomemos então, nós, cidadãos comuns, a palavra. Com a
mesma veemência com que reivindicamos direitos, reivindiquemos também o
dever dos nossos deveres. Talvez o mundo possa tornar-se um pouco
melhor”. |